“A Valorpneu está a reinventar-se”, Climénia Silva, Valorpneu

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Atenta às transformações que estão a ocorrer no mundo a nível da nova mobilidade, das evoluções tecnológicas e das novas tendências que vão influenciar também o sector dos pneus, a Valorpneu está a reinventar-se para acompanhar estas transformações, que são inevitáveis

A Valorpneu tem sido um elemento dinamizador para o desenvolvimento de novas soluções para os destinos a dar aos pneus em fim de vida. Porque não basta falar em economia circular para que tal suceda, é necessário dar passos nesse sentido e a Valorpneu é um exemplo nessa matéria. Em entrevista à Revista dos Pneus, Climénia Silva, diretora geral da Valorpneu, faz o balanço de quase duas décadas de atividade desta entidade gestora que tem por objetivo organizar e gerir o sistema de recolha e destino final de pneus usados, em Portugal.

Dado o contexto pandémico, a Valorpneu realizou a última Convenção num ambiente digital. Que balanço faz do evento realizado nestes novos moldes? A Valorpneu realizou o 18.º Encontro da rede de operadores no passado dia 25 de novembro, o primeiro em formato digital. Seguramente fica na história, não apenas pelo facto de ter sido realizado remotamente e com a moderação do jornalista Pedro Pinto, que muito contribuiu para o sucesso do evento, mas pela partilha de conhecimento, sobretudo no debate sobre a adaptação e as oportunidades do setor a uma nova realidade, no qual se falou sobre a mobilidade e a importância da descarbonização, do pacto ecológico europeu e do novo plano de ação para a economia circular, e ainda no novo pacote legislativo de resíduos e no contributo da reciclagem para a sustentabilidade do sector. Os habituais momentos de descontração destes encontros também não foram esquecidos e desta vez tiveram de ser reinventados. Foi muito divertido para os 102 participantes no evento juntarem-se ao “Jogo da Raquete”, com questões relacionadas com pneus e ao Quizz “Memórias de outros Encontros”.

No último ano a Valorpneu reforçou a sua rede de Centros de Receção com 10 novos centros. A que se deve este reforço?
Na realidade, em 2020 a rede de recolha da Valorpneu contou com a abertura de 10 novos centros de receção, dos quais 7 em resultado do concurso realizado no próprio ano, com início em julho, mas também se verificou o encerramento de 5 centros por razões que se prenderam essencialmente com o objeto da sua atividade, focada nos resíduos urbanos. O concurso foi lançado no seguimento do trabalho de avaliação da Valorpneu às conclusões do estudo da GFK, realizado em 2019, no âmbito da ação “Circuito Portugal Valorpneu” que inquiriu mais de 3.000 estabelecimentos de venda de pneus, incluindo oficinas, estações de serviço, casas de pneus, entre outros. A insatisfação verificada em alguns destes agentes, evidente no estudo, levou a Valorpneu a efetuar uma avaliação detalhada da sustentabilidade da sua rede de recolha que considerou a produção de pneus usados nos diversos concelhos do país e a capacidade de armazenagem dos pneus nas diferentes regiões, tendo identificado zonas carenciadas nos distritos em que ocorreu o concurso.

Quantos centros fazem parte atualmente da rede de recolha da Valorpneu?
Atualmente, existem 53 centros de receção de pneus usados, dos quais um na Madeira e oito no Açores. No concurso realizado em julho de 2020 a Valorpneu identificou a falta de operadores licenciados para a armazenagem de pneus usados, pelo que algumas zonas reconhecidas como carenciadas relativamente a espaços de armazenagem não foram satisfeitas em resultado do concurso. Esta situação foi reportada às entidades responsáveis pelo licenciamento de operadores e a Valorpneu encontra-se a trabalhar no sentido de ultrapassar este constrangimento.

Que tipo de acompanhamento e apoio a Valorpneu tem prestado aos centros de receção da rede?
Os centros de receção de pneus usados são operadores contratados pela Valorpneu, mediante o pagamento de uma remuneração, para a receção, registo e armazenagem temporária dos pneus usados, bem como para a carga dos pneus nos transportes disponibilizados e a cargo da Valorpneu para a sua expedição, sendo por esta via os pneus encaminhados para os destinos finais de valorização, também contratados pela Valorpneu. A Valorpneu está muito próxima destes operadores e o acompanhamento é praticamente diário. Quando da abertura de um operador é realizada formação, disponibilizado o manual de normas e procedimentos a aplicar e é-lhes atribuído o acesso ao sistema de informação da Valorpneu, na sua área reservada. A Valorpneu acompanha a atividade dos operadores e disponibiliza um relatório semestral sobre o desempenho de cada um, bem como a sua posição face aos outros operadores. Anualmente é distinguido o operador que apresentou melhor desempenho. São igualmente realizadas pela Valorpneu auditorias de acompanhamento aos centros de receção, sendo ainda os operadores sujeitos a auditorias efetuadas por entidade independente, em resultado das disposições estabelecidas na licença da Valorpneu, enquanto entidade gestora do fluxo.

E relativamente aos produtores, também houve aumento de adesões ao SGPU?
Embora o contexto adverso de pandemia e as dificuldades sentidas pelos agentes económicos, o número de aderentes ao SGPU aumentou existindo mais 127 aderentes à Valorpneu no final de 2020, comparativamente ao final do ano anterior.

 Quantos produtores estão atualmente registados no SGPU? Todos têm em dia as suas obrigações de pagamentos do ecovalor?
No final de dezembro de 2020 existiam 1.972 produtores registados na Valorpneu e em 2021 já foram realizadas algumas dezenas de contratos de adesão. Embora a percentagem de produtores que cumprem com as suas obrigações para com a Valorpneu também tenha aumentado em relação a 2019, o certo é que ainda há uma larga fatia de incumpridores, cerca de 41% do total de aderentes, a maior parte por falta de pagamento do ecovalor.

Como têm decorrido as auditorias aos produtores, comerciantes e operadores do sistema? Têm detetado muitas inconformidades?
As auditorias têm um papel não só de verificação dos dados reportados à Valorpneu e da conformidade das operações, mas também de informação e sensibilização de procedimentos corretos. Em relação às auditorias aos produtores verifica-se na maioria dos casos desvios nas quantidades declaradas que em algumas situações pontuais até podem ser contra o produtor. Ainda assim, nas auditorias realizadas em 2020 existiram 5 produtores, dos 41 auditados, que não apresentaram diferenças nas suas declarações face ao apurado em sede de auditoria. Nos comerciantes são recorrentes as inconformidades relativas ao detalhe do ecovalor na fatura e à falta de evidência de medidas de autoproteção das instalações. Esta última inconformidade também sucede nos operadores.

E as várias ações de sensibilização, comunicação, educação e prevenção, realizadas ao longo do ano. Como decorreram e qual foi a recetividade do mercado?
A concretização das ações neste domínio, ficaram muito condicionadas devido ao período de confinamento, às medidas de distanciamento social e à crise sentida pelos diversos agentes, entre outros, prestadores de serviços que desenvolvem a sua atividade no âmbito das ações previstas pela Valorpneu, pois, em alguns casos chegaram a suspender temporariamente a atividade. Tendo em conta estes acontecimentos, a Valorpneu esforçou-se para adaptar as ações, de forma a conseguir dar-lhe seguimento, embora com atrasos ou com ações substituídas por outras. Finalmente, acabou por realizar diversas iniciativas, com retorno muito positivo, desde o lançamento de uma nova campanha nos mass media, a presença em várias publicações da imprensa especializada e em websites, o lançamento do microsite dedicado à recauchutagem e a organização e participação em webinares que ajudaram os intervenientes no SGPU a ficarem mais esclarecidos sobre as suas obrigações. Manteve igualmente a distribuição da sua webletter mensal, veículo privilegiado de informação para o sector e entidades que se relacionam com a Valorpneu, procedeu à renovação da sinalização dos centros de receção com vista à correta identificação dos locais de depósito de pneus usados, formou os novos operadores da rede, e ainda patrocinou alguns eventos e iniciativas, que permitiram que a sua mensagem chegasse a uma franja de público mais alargada, incluindo o público jovem.

Que efeitos está a ter a pandemia na atividade da Valorpneu? Têm conseguido manter o nível de recolha e tratamento dos anos anteriores ou houve um decréscimo da atividade?
A evolução da atividade da Valorpneu reflete o mercado do sector dos pneus, dos veículos e de outros equipamentos que contêm pneus. Desta forma, sendo a pandemia um fator com impacto nestas atividades, também, só por si, este aspeto tem efeito na atividade da Valorpneu. Para além dessa situação, os diversos estados de calamidade e de emergência do país obrigaram a um modo diferente de trabalhar, com recurso ao teletrabalho, contexto ao qual a Valorpneu se adaptou rapidamente, mas tiveram consequências no desenrolar das operações do sistema, exigindo da rede de recolha um esforço adicional para responder à necessidade das oficinas e casas de pneus e ainda às contingências dos valorizadores. Por outro lado, a incerteza associada à pandemia, com a consequente falta de visibilidade obrigou a adaptações rápidas, forte flexibilidade nas ações tomadas e à gestão do imediato, em função das circunstâncias do momento. Acompanhando a evolução negativa do mercado, a recolha de pneus usados registou um decréscimo em 2020 de quase -8%, ainda assim menos acentuada que a evolução ocorrida na colocação de pneus no mercado que se situou em quase -14%.

A Valorpneu lançou o programa NextLap. Em que consiste este programa e quais os seus objetivos?
O NextLap é um programa de inovação colaborativa, promovido pela Valorpneu e a Genan, recicladora multinacional de pneus, com o apoio técnico e de gestão da consultora Beta-i. Este programa vem desafiar centros de investigação e startups de todo o mundo a colaborar na criação de projetos piloto com vista a dar um novo uso aos materiais derivados de pneus em fim de vida, para que estes possam voltar a ser integrados na indústria como matéria-prima na produção de novos produtos. Esta iniciativa, lançada no final de setembro do ano passado, teve de ser adaptada ao contexto de pandemia em que vivemos, e desenvolve-se remotamente. Conta ainda com parcerias de renome para o desenvolvimento dos projetos piloto, a selecionar de entre os apresentados por cerca de 40 inovadores selecionados. São parceiros do projeto a Decathlon, Houdini Sportswear, Extruplás, Mobinov, Procalçado, Opway, Pragosa e IP-Infraestruras de Portugal.

 Em que fase se encontra o programa NextLap?
O programa desenvolve-se durante 9 meses e passa por diversas fases, estando neste momento a terminar o Bootcamp, etapa que consistiu num conjunto de reuniões de trabalho, assentes numa metodologia própria, e na partilha de informação entre os inovadores e os parceiros da indústria, para serem definidas as variáveis importantes para se desenvolver os projetos piloto. O Bootcamp é uma etapa crucial deste programa, uma vez que nesta fase inovadores e parceiros da indústria são postos à prova, criando ou não sinergias entre si, sendo que o resultado determina quem poderá passar à fase seguinte de apresentação de pilotos. Assim, ainda não existem projetos realizados dentro do programa, embora exista grande potencial de inovação a ser explorado e grande interesse das diferentes partes envolvidas.

A Genan e a Biogoma estão a apostar em Portugal no aumento da sua capacidade de produção de granulado de borracha. Qual a importância deste projeto para o futuro da reciclagem dos pneus usados no nosso país?
As duas atuais empresas de reciclagem de pneus com fábricas em Portugal, a Genan, em Ovar, e a Biogoma, no distrito de Santarém, não só estão a apostar no aumento da capacidade de produção, como também na sua eficiência e na qualidade dos materiais que produzem. Este desafio é muito relevante a nível do encaminhamento de pneus usados no nosso país que nos permite dar um destino adequado aos pneus quando chegam ao fim de vida e estar em linha com a ambição dos diversos países da União Europeia na construção de uma sociedade mais sustentável.

 Que impacto vai ter o novo “Pacote de Resíduos” na atividade da Valorpneu?
O novo “Pacote de Resíduos”, como é conhecido o DL 102-D/2020, publicado no final do ano passado, vem alterar o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sob a responsabilidade alargada do produtor, transpondo as últimas diretivas da União Europeia. Este diploma, que entrará em vigor no próximo dia 1 de julho, vai ter um forte impacto na atividade dos operadores de resíduos e outros agentes económicos, e consequentemente da Valorpneu.

No que se refere particularmente ao sector dos pneus usados o diploma mantém os objetivos de gestão e metas atuais, mas vem clarificar que a recauchutagem, enquanto operação de preparação para reutilização de pneus usados, realizada num estabelecimento industrial, está sujeita ao procedimento de licenciamento previsto no regime geral de gestão de resíduos, e alarga o leque de isenção de licenciamento a determinadas atividades de valorização de pneus usados. Em relação ao processo de licenciamento das entidades gestoras dos diversos fluxos específicos é expectável que durante este ano surjam ainda alterações a este diploma com novas disposições sobre o assunto.

A Valorpneu lançou no final de 2020 uma campanha institucional denominada “E os seus pneus, estão para as curvas?” Quais foram os objetivos desta campanha e que balanço faz da iniciativa?
Esta campanha veio dar a conhecer o destino seguido pelos pneus usados, a recauchutagem, reciclagem e a valorização energética, sensibilizando para a importância da atividade da Valorpneu, mas também veio comunicar a importância do cuidado a ter com a pressão dos pneus, garantindo a sua correta utilização, de forma de prevenir que cheguem rapidamente ao fim de vida. Esta campanha que passou no mês de novembro em vários órgãos de comunicação social, nomeadamente na SIC, SIC Notícias, RTP1 e RTP3, em spots de rádio na TSF, RFM e Rádio Renascença e em meios digitais, atingiu em televisão 82% do público-alvo, uma percentagem bastante significativa, pelo que consideramos que os objetivos da campanha até foram superados.

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